quarta-feira, 18 de julho de 2007

O galope desenfreiado de que lhe faltava juizo ou sobra criatividade

Lá vem Josefina Rameira desembestada na carreira.
Na cabeça tem uma tiara feita de jurema,
No peito tem leite fresco de aveloz
E entre as pernas tem o passado de mais de mil homens.

Lá vem Josefina Rameira desembestada na carreira.
Na mão um xique-xique pra fazer de açoite,
Na boca uma rapadura pra fazer doce
E nos pés o cordão das alegrias fazer a gente rir.

Lá vem Josefina Rameira desembestada na carreira.
Já plantou um pé de catingueira no meio de uma nuvem,
Já criou a onça Buzaican numa coleira curta
E já falou línguas que faz tempo que não se fala mais.

Lá vem Josefina Rameira desembestada na carreira.
Vem montada na burrinha Calú com quem já viu meio mundo,
Vem mastigando pensamentos pra lembrar de onde vem
E vem suspirando amores colossais largados além mar.

Lá se vai Josefina Rameira desembestada na carreira.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Amarela Rainha

Lá vinha ela pisando o firmamento.
Montada numa jandaia verdinha,
Mas parecia um malasombro dos casarões dos engenhos de Palmares.
Vestida com três fitas trançadas.

Era minha rainha amarela pra meu contentamento e graça
Que vinha lá de onde se vinha.
Uma mulher com cara de menina e com gosto de festa de Santo
Onde eu brincava minhas brincadeiras de menino.

Minha amarela Rainha de coroa magistral que fez do menino um homem,
Me faz sentir saudade do tempo que já não foi,
Mas vem com a força de tua essência
E assume teu reinado de direito e de carne.

Pelos séculos e séculos.
Amém!

quarta-feira, 11 de julho de 2007

69 da Catarinata

Era uma cruzada secular,
Embarcado numa nau imponente
Com velas brancas de reino decente,
Um Capitão velho resolveu os quatro céus navegar.

Setenta homens embarcados.
Setenta guerreiros sangrentos.
Setenta famílias lascadas.
Setenta desejos crescendo.

Entre os velhacos marinheiros
Estava uma bela dama.
Filha querida e prendada do capitão
Que atendia pela graça de Donana.

Ela era linda como poucas estrelas,
Cheirava ao perfume dos jasmins dos Mouros.
Era tão formosa e graúda
Que já teve homem querendo a ela dar tesouros.

Em noite pouco iluminada
Bateu no camarim do Capitão
Um amarelo Bartô da Encruzilhada
Para a ele caguetar uma situação.

Meu Capitão eu vim aqui te contar
Cosia que vi e não posso esconder.
Vi Donana lá fora a fazer
Coisas que ao senhor possa envergonhar.

Me conte bom fofoqueiro
O que tens pra me dizer,
Pois problemas de minha filha para resolver
É o que mais tenho o tempo inteiro.

Meu capitão, não sei por onde começar,
Mas vou pelo primeiro instante
Em que vi a Donana, Debutante,
Com o safado do timoneiro, Cabaxum de Damião, a namorar.

Valeime minha Santa da Conceição!
Me diga seu amarelo desenfeliz
O que tem pra me falar, seu aborto de concriz.
Se não me contar, arranco seus bigodes e outras partes mais queridas que falta vão fazer para proliferação.


Não se afobe descuidado Capitão
Vi Donana pelada dos peitos,
Vi donana pelada dos quartos,
Engembrada no Cabaxum e manejando dele o timão.

Eu não queria, mas opção o senhor não me deu.
Safadeza desse porte
Nem no namoro do Diabo com a Diaba.
Vi Donana fazendo pose igual a do cavalo do velho fariseu.

Menina desajuizada.
Com quem foi que isso ela aprendeu?
Tanto que cuidei de sua virtude
Pra dessa forma ter a honra manchada.

Calma Capitão que isso não é tudo.
Donana é danada
E desse assunto sabe muito.
Teve uma hora que deu uma bocada no rapaz que quase faz Del um eunuco.

Me traga esse sem-vergonha do mangue.
O nome da minha filha não vai ficar manchado.
Ou ele casa com Donana e salva seu pescoço,
Ou vou esse barco lavar com muito sangue.

E meio abilolado pelos pifões que levou
Chegou Cabaxum de Damião
No camarote do enraivado Capitão,
Pai da menina que desonrou.

Você agora vai casar seu filho de chocadeira.
Buliu na minha pobre Donana,
Se lambusou onde não devia.
Agora você casa. Queira ou não queira!

Mas capitão, espero que o senhor me entenda.
Donana não é santa e não fui eu o primeiro,
Pois de seus subordinados, que são 69 marinheiros,
Não tem sequer um que não tenha passeado na sua herdeira.

Até mesmo esse amarelo falador.
Em dia de lua cheia e céu estrelado
Se atracou com Donana bem ai no camarote do lado
E só saiu quando já sentia ardor.



Menina desavergonhada. Agora nem sei o que fazer.
Dela só estragaram o corpo.
Já acabaram com minha moral.
O que me resta e nessa embarcação uma lei estabelecer.

A partir de hoje decreto oficialmente
Que minha filha tem um harém e 69 marinheiros.
Satisfaçam ela todos os dias, seus gostos e regalias.
Sendo assim, dessas linhas mal traçadas, assino rente.

domingo, 8 de julho de 2007

O revez da mariposa contra o velho galego

Uma mariposa me arrudiava incansavelmente,
Com movimentos leves e embriagados, como quem pede colo.
Coberta de risos, bordado de sonhos, todo isso combinado num tom de terra quente
E tinha uma tiara, caprichosamente enfeitada com estrela cadente caída dos céus de Maraial.

Me desenvergonhei e resolvi falar meu desejo.
Perguntei pela sua graça, de onde vinha, se comigo dançaria?
E na debilidade mental de minha paixão,
Movido pelo azougue daquela situação,
Perguntei se comigo ela queria namorar? Namoro pra casar!

Ela parou sua dança e sem milongas nem costuras
A pequena voadeira se enfezou e me disparou um catolé no miolo do pé-do-ouvido.
Me tirou a pose de cavaleiro e de galanteador
E agora com dor na orelha e completamente descangotado.

Nem que eu tivesse pedindo pra furnicar com o Diabo.
A mariposa se virou numa cachorra febrenta
Que da boca saia língua bifurcada, dentes de serpente e tinha chama nos olhos.
Nunca pensei que de um bicho vivente tão pequeno pudesse sair tanta obscenidade.

A furnicação do velho com a Gira num terreiro de festejos de Santo

No quintal a festa tava com a gota,
Rabeca roncando o ronco no cangote de um jumento de cangalha,
Zabumba bumbando o bumbo no colo de um velho ceguinho prezepeiro de canavial
E pífano piava o pio no bico de uma lavadeira assanhada e ligeira.

Era festa de Santo, desses que tem barba longa e careca lustrosa.
As estrelas do céu vieram fazer suas safadezas,
As borboletas rodavam suas saias para concorrer com as mariposas voadeiras
E o petiguari cantava na vontade de matar a vontade.

No meio dessa briga de foice uma Rainha cantava mais.
Era uma gira medonho, vestida de saias vermelhas, nua da cintura pra cima e calçando chinelos de couro de bode.
Na mão uma faca, arrancada de uma bananeira, com um nome gravado.
Qualquer vivente naquela noite queria estar na ponta daquela lâmina.

Ela corria e gritava, girava e bebia,
O suor escorria e fazia seus peitos brilhar e arrepiar.
A gira, sem-vergonha, se amostrava no meio do terreiro
E os brincantes se perdiam naquela dança invocada e se entregavam.

Fui chegado devagarinho com cara mansa,
Dançando acanhado, de perna puxada e ombro arriado.
Fiz rudia, fiz meu gingado, feito menino pequeno em volta de panela de doce
E como quem não quer nada soltei a língua.

Olhei ela dentro dos olhos e falei algum galanteio que um mouro velho ensinou.
“Niña, yo estoi a cá!”
Ela se ria e girava, baqueava e levantava, fazia que caia e vinha
E naquela dança nefasta fui escrevendo um nome naquela faca.