sexta-feira, 25 de julho de 2008

A briga certeira

Afe Maria, vou contar uma situação
Que se passou lá pelos lados do Araripe
Em noite estrelada
Típica do Sertão.

Bem na boca da noitinha
Quando as cigarras já cantavam suas cantigas noturnas,
Trovão fiel latia no fundo do terreiro
E o querosene da lanterna se acabava.

Cem bilhão de sapos cururu se amoitando
Tentando pegar o dobro de bilhão de mariposas avoando.
Trezentos pares de ziguezigue dispareados virados numa gota
Barruando sem dó nem piedade numa parede frienta e malvada.

Doda de Dedé vinha subindo a ladeira já meio bêbado
Enquanto uma vira-lata perversa tentava com empenho
Morder com vontade o mocotó
Do desprevenido embriagado.

Era uma mordidagem que não tinha fim.
Foi dentada, chute de bico, largada de mão, mordida da orevlha.
O cacete era dos grandes.
Bêbado e cachorra embolaram na ladeira atá a venda de Serafim de Bebé.



Foi ai que a coisa piorou.
O barulho da cachorrada foi tão grande
Que a vizinhança foi se acordando.
O povo se largou para o meio da rua para ver o que se passava.

Gemido, latido, rangido de dente, bufada de venta.
O bêbado e a cachorra não paravam com a galinhagem,
Os dois já estavam só no farrapo.
Aquelas alturas mais de noventa riscadas de chão marcavam a rua.

Havia se passado umas trás badaladas da matriz
Quando o que já era feio infeiou de vez.
Correndo lá das bandas da feira de Boi Neném, lá de riba da ladeira,
Vinha uma figura abolotada, cheia de rolo na cabeça, vestida com mais de cem papoulas.

Imagine só o mal assombro .
Era um par de havaiana nos pés. Uma de cada cor. Amarela e azul.
Certamente eram do filho pequeno ou roubada de um defunto menor.
Sobrava um fura bolo na dianteira e mais de meio maior de todos no calcanhar.

Já tinha pra mais de vinte desocupados fazendo apostas.
Uma banda que apostasse na cachorra, oura banda apostando no bêbado,
E teve uma outra facção que quando viu a velhota vindo na carreira
Apostou que ela era dona e reclamante da cachorra e se escapuliu daquela rinha.



LIBRUINA, berou a mulher que tava suando feito tiradeira de espírito.
A cachorra largou de imediato
Um bife que tinha arrancado das costas de Doda
Que ainda estava meio empenado e de guarda armada.

Meu Jesus, assombrou-se a senhora
Quem danado fez isso com você?
Interrogou, vendo a cachorrinha
Toda esfolada de dentada e bufete.

Não chame por santo nenhum não dona.
Falou o bêbado abusado.
Quem descangotou esse filhote de maribondo fui eu.
E terminou a fala aprumando a carcaça e se equilibrando no calcanhar.

Olhe aqui seu desqualificado.
Falou a mulher que largou a cadelinha no chão e colocou as mãos nos quartos feito lavadeira de rio.
Quem é o senhor pra levantar essa mão cheia de dedos na minha cachorrinha?
Eu costuro seu palito no cacete seu gaiudo sem vergonha.

Pronto, agora foi que lascou.
Uma onça velha e mal acabada
Pra tomar as dores de uma miséria dessas.
Só pode ser piada ou agouro de mouro velhaco.



Quando o bêbado falou isso a mulher invocou uma Gira.
Seu desenfeliz. Eu sou pior que pingo de superbonde pingado no branco do olho,
Sou feito dentada de de mula com febre.
É melhor o senhor segurar as calças e prender a respiração.

Rapidamente, mais rápido que imediatamente, veio a resposta.
Se desanime que sou comando de fuzilaria entrincheirado na jurema.
De um apito de meu sopro a senhora leva tanto pipoco que não saber de onde veio o toró de tapa.
Na escola da valentia tive nervura exposta e deixei seu superior desacordado.

Se a senhora tem amor ao seu couro
Guarde logo essa sua língua bifurcada,
E volte do catimbó de onde veio.
Besouro Cordão de Ouro foi meu mestre de pernada, gingado e safadeza.

Triste do senhor se pensa que me bota medo.
Eu fui criada na lei do cangaço.
Sou natural das Serras Talhadas, de céu azule das noites frientas.
Sou prima legítima de Virgulino Lampião. Eu enfio meu dedo polegar onde suas costas muda de nome só para te desmoralizar.

Umas oitenta pessoas já estavam no meio da rua pra ver a briga e tinha mais umas trinta nas janelas.
Juntou mais gente que tropa de jumento da Borborema.
Foi ai que a coisa desandou.
A bandoleira deu um murro na boca do bêbado que choveu pivô e molar três dias naquelas terras.

Vendo que sua situação não tava das melhores
Doda resolveu amarrar a camisa.
Deu pernada e rasteira, cabeçada e cambalhotas.
A briga ficou bonita, parecia mais atração de circo da capital.

Ximbo Cabeção gritou na beira da arrelia
Alertando para o perigo iminente,
Pois duelo de cangaceira e capoeira bêbado
Ou acaba na cadeia ou termina em morte.

Zunido de bala foi o que se seguiu ao alerta do cabeçudo.
O povo abriu na carreira. Nem Libruina ficou.
A dupla briguenta ainda estava encangada no tabefe e na dentada
Quando chegaram os volantes que acabou com a festa e levou os briguentos para o xilindró.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Feira de Santo

O sol já se mainçava,
Devagarinho como quem espreguiçava de uma rede.
E uma chuvinha chovia morninha mornando a terra que já esquentava.
Os homem já se iam trabalhando, amuntados numa barra forte deselegante, mascando as marcas de uma vida por viver,
E Maria já se vinha suspirando, cheia de graça, levando numa trouxa o sonho dos sonhos por sonhar.
No meio do povarel tinha um sujeito magro, esconchavado, vestido de casaca que jurava que era santo,
E no sovaco levava um manual, que segundo ele, era de santidade.
O livro já tava meio encardido e descascado, cada vinco era feito marca na mão de lavadeira de beira de rio.
O santo dizia que era mais santo que qualquer outro santo, e que de milagre ele já era pós-graduado e doutor.
E pra provar sua santidade esculhambava, maldizia, estirava língua e dava dedo pra qualquer outra divindade desse ou de outro mundo.
Chamava de cuzeiro, emprestador de farinheiro, esfrabicador, ladrão, papa hóstia, roubador de moeda de cego, filhote de catraia mar feita
E qualquer adjetivoro que pudesse rogar contra a santidade alheia.
No meio do falatório todo, durante os agrados verbalizados
Num te conto o acontecido rapaz!
Num é que outro santo veio reclamar de sua parte.
Foi juntando gente, parecia até romaria de padre Cícero,
E os dois santos lascando o pau no meio da pista.
Um que contasse mais milagre que o outro.
Um andou por riba d’água em Sairé,
O outro levantou alejado em Bodocó,
Vinho virou água em Sumé,
Vaqueiro vestido de biquíni em Mossoro,

E depois dos milagres vieram as penitências.
Nunca vi dois miseravi pra sofrer tanto,
Só de chibatadas contem mais que as que Jesus levou dos centurião perverso.
E caco de vidro?
Tinha um que chupava no café da manhã pra ganhar um pontinho na fé,
O outro pingava cera de vela quente no olho pra num pecar com a vista.
O primeiro, na safra de eleição, aturou falatório de comício e candidato caluniador.
Eu sei que de judiação em judiação os santos iam se invocando feito galo de briga, e riscando os pé no chão feito boi brabo.
Até que Tonha boinha, de que boinha só tinha o nome,
Arretosse e disse:
Home, veleime, nunca vi tanto sofrimento e amargura,
Será que vou ter que ouvir, uma hora dessa da manhã, esses puto falando essas angustura?
Foi nessa hora que Penha de Gerar tomou partido na fé e gritou:
Cale a boca filhote de serpente corre campo,
Que pra num gostar de peleja de santo só tendo parte com coisa ruim
Ou então vive de fornicar com o tinhoso.
Ai foi que lascou tudo,
A briga de santo virou bate-boca de meio de fera com riscado deputadal.
Popeline, viscose e crepe! Gritava Bio de Zezé.
Os santos se ininharam no bufete, as beata se rasgaram na unhada.
Olha o peixe fresquinho. Tem tilapia, surubim e traira.
Há desinfeliz, tu magoou minha unha encaicada.
Ferro velho, jornal e garrafa.
Venha, eu sou rim feito araldite.
O tumulto foi ficando grande e o pau cantava.
A coisa só parou quando os volantes apartaram o engembrado
Tonha Boinha descadeirada, Penha de Gerar toda relada
E os santo descangotado.
O barulho foi grande feito estória de cantador
Essa foi a primeira vez que de tanta fé
Vi dois santos e duas beatas
Ir bater num quartel.